Não consigo deixar de pensar que o que segue, por antecipado, tem o sabor da sensação da surpresa forçada, que é, de entre todas as sensações disfarçadas que se podem forçar, aquela que tem o pior sabor. Não me parece que haja nada de mais pessoal, logo passível de facilmente identificar uma causa, do que o arrastar dessa certeza que se debilita e fraqueja como um pedaço de papel que murcha; e quando cessa – a certeza –, não o é originando vácuo; de facto, outra certeza surge no seu lugar.
Passei anos transportando este objecto de um lado para outro, sem nunca me interessar particularmente por ele. Tem ponteiros, vários ponteiros, ponteiros que giram, e tem um sistema numérico de base sessenta. Deve ser um relógio. Não o achava particularmente bonito, mas era antigo, provavelmente da primeira metade do século XIX, e era tratado como uma relíquia. E era. Tratava-se de cronógrafo ratrappante – porque podia medir dois acontecimentos diferentes ao mesmo tempo ou decorrendo em tempos que se cruzasem. Ora, dois diferentes ao mesmo tempo, não se distinguem na diferença pelo tempo. Mas distinguem-se na sua origem, forma, causa, cheiro. E também quando acabam. O cronógrafo de winnerl permitia exactamente isso.
Em vez da certeza que se possuía antes, surge uma outra coisa bifurcada: não só a desilusão pela certeza não afirmada, como a interrogação da causa dessa necessidade. Porquê não ter negada antes algo que se afigurava tão frágil de concretizar? Porque, de facto, se desejava que se concretizasse.
Gostava de saber se o cronógrafo ratrappante podia medir esses intervalos de tempo. O primeiro entre a elaboração de uma certeza e o início da dúvida, e o segundo entre esse início, e a certeza que nenhuma dúvida resta que a certeza anterior estava errada. Provavelmente um quociente entre os dois poderia dar uma grandeza física. Talvez uma grandeza palpável porque sentida, embora não numericamente. Mas desta forma, poder-se-ia calcular um coeficiente de ilusão – e o seu inverso, um rácio de desencanto.
E assim as certezas poderiam ser quantificadas; e uma análise estatística permitiria avaliar quantas dessas são de facto o produto do nosso desejo, e não a apreensão da realidade. E nós mesmos, enquanto entidade, teríamos uma identificação: nome, idade, altura, e coeficiente de desencanto.
Se tal acontecesse poder-se-ia fazer, de facto, algo de extraordinário. Quantificar a incidência de relações interpessoais por coeficiente. Não me surpreenderia nada que a verdade matemática esperada que, coeficientes inversos teriam maior predisposição para se contactar, não se verificasse. E assim tornasse o coeficiente de ilusão algo de bastante mais endógeno e imanente a qualquer um, do que um resultado da mera convivência inter pares.
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