
A Million Dollar Baby é tanto um filme de boxe, como o Gone With the Wind é um filme sobre a guerra civil americana. Ou o Match Point, um filme sobre sorte. A Million Dollar Baby é um filme sobre esperança.
Espinosa definia a esperança com aquela objectividade decomposta em proposições tão peculiar. “A esperança nada mais é do que uma alegria inconstante que emerge da imagem de qualquer coisa, passada ou futura, sobre cujo o resultado temos algumas dúvidas.”
No filme, o confronto entre o elemento sem esperança – o treinador Franckie que foi abandonado pela família por uma razão desconhecida – e o elemento com esperança – a Maggy que sonha desde pequena em se tornar boxeur, e finalmente decide, aos 31 anos, executar esse sonho.
Ao longo da história, o Franckie absorve a força de Maggy, lida com os seus demónios, vai renascendo aos poucos. Basta uma pessoa ao nosso lado a lutar, que a luta já não parece assim tão difícil. O plural torna as coisas fáceis.
Maggy, pelo contrário, não tem de renascer; ela é a tal alegria inconstante, que se encontra a descobrir a tal imagem que idealizou, mas que nunca viveu – nem ao de longe. Ela nem sequer anseia pelo combate que vale a Million Dollars, porque o próprio processo de aguardar é suficiente para a preencher. Sim; quando se quer verdadeiramente algo, a própria tentativa quase se transforma num fim em si.
O maravilhoso Eddie Scrap junto os dois, porque é o único que viveu a ilusão, lutou por ela e falhou. Mas não perdeu a esperança no mundo à sua volta.
“… imagem de qualquer coisa, passada, ou futura, sobre cujo resultado temos algumas dúvidas.” Sempre achei estranho este preciosismo. Nunca pus em causa que o presente não entrasse na definição de esperança. Mas o passado quase que parece ali deslocado. Como é que o resultado de algo passado pode ser incerto? Já aconteceu. É definitivo.
Isso estaria correcto num mundo sem perdão nem arrependimento. A esperança que vem do passado é uma esperança de perdão. Franckie espera esse perdão. Anseia por ele. Toda a gente anseia por um perdão por algo estupidamente guardado nos confins do tempo. A esperança revela-se exactamente nesse acto de não aceitar que algo seja definitivo.
No fim, os papéis invertem-se. Maggy decide morrer, e é o treinador que a tenta convencer do contrário. Ela perde a esperança e isso é para ele insuportável. “ I can’t live like this boss. Not after I’ve seen all there is out there.”
Nada de resta para Maggy senão uma família insuportável que lhe quer tirar o dinheiro. Ela perde a esperança em viver, e perde a esperança em ter uma família decente. Não, na realidade ela passa a vê-los exactamente como eles são. Seres sem amor, egoístas, mesquinhos, desprezíveis. Presumo que esperança a mais contamine a visão das coisas adjacentes.
Million Dollar Baby é um filme sobre a esperança e a falta dela. E o que resta dela. No caso de Maggy, a definição de Espinosa falha só em assumir que ela tinha algumas dúvidas sobre o desfecho da sua jornada. Estou certo que ela sabia que não estava destinada a ser feliz; daí essa alegria insaciável em toda a porção de tempo que se aninhasse ao seu lado.
3 comments:
e como se sabe se estamos, ou não, destinados a ser felizes?
Acho que quanto maior a percepção que não existe tal coisa como estar destinado a ser, mais feliz se pode ser.
Aliás, não concordo nada com o fim do texto. Mas estou certo que gostava de acreditar que existem várias maggys por aí - independentes do rastreio diário de saliva; e que com a boca seca saboreasse algures um pouco de felicidade plena.
"Basta uma pessoa ao nosso lado a lutar, que a luta já não parece assim tão difícil." é tão verdade, e momentos há em que as lutas parecem particularmente difíceis de travar...
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