Passados muitos anos, encontrei-o por acaso no supermercado. Olhava com muita atenção para dois detergentes de louça; comparava as composições, talvez o preço. Parecia intensamente concentrado nessa tarefa. Não sei porquê, mas na minha cabeça imaginei logo o cenário que se tinha separado há pouco tempo, e iniciado-se recentemente na escolha de detergentes. Depois pensei que era estúpido que mesmo casado não participasse nisso e achei o pensamento sexista – mas não me importei muito com a qualificação, achei apropriado o cenário.
Tentei aproximar-me mais; havia uma tentação em vê-lo melhor. Uma tentação que não se deve confundir com desejo. Não tinha qualquer desejo – apenas e talvez alguma curiosidade. Uma curiosidade forte, admito. Não que pensasse nele muitas vezes; aliás, não pensava.
É uma tendência muito feminina fantasiar o passado de forma a conferir uma tensão dramática à relação. Reviver uma história de um amor proibido, e de todos os entraves à sua concretização. Mas não houvera nada disso. Nenhum entrave bíblico em especial. Mas às vezes, mais tarde, dá jeito pensar que sim.
Ele agora passeava com o carrinho, de forma muito tranquila; nunca o tinha imaginado a emanar aquela tranquilidade numa actividade tão quotidiana. Estava mais gordo, mas não tanto quanto esperava. E estava muito mais velho.
Não sei porquê que continuava atrás dele. Estava à espera que se virasse? Não fazia a mínima ideia o que lhe iria dizer. Mas, no meio dessa tensão, comecei a imaginar o que ele diria. Ir-me-ia recriminar? Se calhar, bem lá no fundo, gostava que o fizesse. Não, não havia nenhuma razão explícita para recriminar – ele a mim ou eu a ele. Acho que provavelmente acabamos de maduro. Será que ele não repara que estou aqui. Nunca conheci ninguém tão distraído. Até se esquecia do próprio dia de anos. Gostava que ele se virasse. Dirigia-se para as caixas.
O tempo passou assim, pouco tempo, mas passou. Às vezes parece que arrancamos um post-it do frigorífico que é um bocado de tempo e ele entranha-se assim de um momento para o outro. Não é a lembrança do que foi vivido – existe a apreensão do que se sentia na altura. Arranca-se o post-it e lá se encontram milhares de sensações a borbulhar no instante. Não sabia bem o que fazer. Ficava minutos intermináveis a comparar preços e rótulos; depois escolhia um ao calhas. Não interessava. Nunca pensei que após tanto tempo pudesse sentir alguma coisa.
Houve uma altura que pensei mesmo em voltar para trás, ir direito a ela, perguntar o que queria. Mas por esta altura imaginava que ela já tinha visto que eu a tinha visto, e portanto que a estava a evitar. A ideia agradava-me. Estar numa posição em que a evitava. E portanto assim continuei, contrariado – profundamente contrariado. A certa altura, quando estava já perto de chegar às caixas, senti que já não aguentava mais.
Tentei aproximar-me mais; havia uma tentação em vê-lo melhor. Uma tentação que não se deve confundir com desejo. Não tinha qualquer desejo – apenas e talvez alguma curiosidade. Uma curiosidade forte, admito. Não que pensasse nele muitas vezes; aliás, não pensava.
É uma tendência muito feminina fantasiar o passado de forma a conferir uma tensão dramática à relação. Reviver uma história de um amor proibido, e de todos os entraves à sua concretização. Mas não houvera nada disso. Nenhum entrave bíblico em especial. Mas às vezes, mais tarde, dá jeito pensar que sim.
Ele agora passeava com o carrinho, de forma muito tranquila; nunca o tinha imaginado a emanar aquela tranquilidade numa actividade tão quotidiana. Estava mais gordo, mas não tanto quanto esperava. E estava muito mais velho.
Não sei porquê que continuava atrás dele. Estava à espera que se virasse? Não fazia a mínima ideia o que lhe iria dizer. Mas, no meio dessa tensão, comecei a imaginar o que ele diria. Ir-me-ia recriminar? Se calhar, bem lá no fundo, gostava que o fizesse. Não, não havia nenhuma razão explícita para recriminar – ele a mim ou eu a ele. Acho que provavelmente acabamos de maduro. Será que ele não repara que estou aqui. Nunca conheci ninguém tão distraído. Até se esquecia do próprio dia de anos. Gostava que ele se virasse. Dirigia-se para as caixas.
O tempo passou assim, pouco tempo, mas passou. Às vezes parece que arrancamos um post-it do frigorífico que é um bocado de tempo e ele entranha-se assim de um momento para o outro. Não é a lembrança do que foi vivido – existe a apreensão do que se sentia na altura. Arranca-se o post-it e lá se encontram milhares de sensações a borbulhar no instante. Não sabia bem o que fazer. Ficava minutos intermináveis a comparar preços e rótulos; depois escolhia um ao calhas. Não interessava. Nunca pensei que após tanto tempo pudesse sentir alguma coisa.
Houve uma altura que pensei mesmo em voltar para trás, ir direito a ela, perguntar o que queria. Mas por esta altura imaginava que ela já tinha visto que eu a tinha visto, e portanto que a estava a evitar. A ideia agradava-me. Estar numa posição em que a evitava. E portanto assim continuei, contrariado – profundamente contrariado. A certa altura, quando estava já perto de chegar às caixas, senti que já não aguentava mais.
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