Monday, March 12, 2007

Shumi


Faz por agora três anos. Três anos sem aquele sorriso de aceitação e compreensão profunda. Três anos sem aquele sorriso maravilhoso. Passei horas e hora intermináveis com ele, e sempre que ele me surge na memória, encontra-o com aquele sorriso doce. Há três anos que tento escrever uma linha sobre esse sorriso e não consigo.
Parecia que nele, existia a íntima percepção da alegria que todas as pequenas coisas poderiam conter; não era uma alegria feita de restos. Era uma alegria densa, feita de todos os pedaços aderentes à vida; daquelas alegrias só ao alcance de quem passou pelo eclipse da esperança na vida, ajoelhou-se na berma da estrada, ponderou ficar por lá – observando cadáveres de sonhos serem arrastados, pedaços de ilusões desmembrados como arame cortado – e voltou a erguer-se.
Agarrar a sombra gasta, fixar o fundo escuro da ruela íngreme e prosseguir, sem dúvida aparente, ou hesitação latente – o ar sério e concentrado quase lhe ficavam estranhos (assim como uma roupa apertada). Não era difícil ver que alguma coisa estava mal; o sorriso perdia substância e o olhar condensava-se em coisa sem brilho. Não; é ridículo imaginar que algum de nós sabia o que se passava. Ninguém fazia ideia. E também não era concebível que o soubéssemos. Ou era? Evito a pergunta muito frequentemente. E vejo-o a fechar os olhos, incomodado pelo próprio fumo do seu cigarro.
Algumas pessoas passam, durante algum tempo, por certas experiências que, pela sua natureza, afectam todos e afectam com força. E só há duas formas distintas das pessoas serem afectadas: ou se afastam ou ficam juntas. Algumas afastam-se; e é muito fácil fazê-lo. Não partilhar as coisas não as faz desaparecer, mas ajuda. Outras ficam juntas. Ficam mais juntas; irmanizam-se. Estou a vê-lo a agarrar a pele da barriga e a esticá-la com força, a rir, rir, rir… Gargalhas roubadas ao receio permanente.
Há outras ainda que possuem um poder extraordinário que é o de obrigar as outras a juntarem-se por ele. Não que as obrigue, ou faça referência, sequer de forma indirecta. Algumas pessoas possuem uma alegria e uma inocência tão próprias, exibem de forma tão nua tanto as suas fraquezas como a sua grandiosidade, que simplesmente é impossível não as seguir. O João era uma dessas pessoas.
Revi o Seven há pouco tempo. O filme termina com aquela frase célebre. “O mundo é um bom lugar, e merece que se lute ele; eu concordo com segunda parte”. Eu também.

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