Tuesday, June 05, 2007

A gravidade-lava


Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar.


Mário Cesariny



A chuva preta sobre o corpo; a chuva quente.
A pele adormecida sobre o alcatrão. As bermas enchendo-se de saliva e o corpo transpirando solidão inquieta.
As mãos pesadas, as mãos apertadas em solidão.
Está escuro sobre as peles sossegadas. Os dentes.
A estrada escura. Os dentes. Este escuro e esta chuva.
Os hálitos sobre o alcatrão. Tudo fede uma solidão única e contagiosa; e nada parece certo.
As unhas. E todos os detritos.
Tudo o que sou indexado a uma gravidade-lava.
Uma quinta força – o tempo deformando os olhares e o sabor da chuva. Não sei bem onde estou. Cai uma chuva negra que frita a pele.
A gravidade-lava; a que suga e preenche; a inalação do oxigénio tóxico.
O ar gravítico que aperta e mordisca o ventre como crocodilos bebés. E toda esta chuva negra de alcatrão perfumada.
Os dentes e as mãos, e a saliva-lava-chuva e o corpo estendido.
Sem palavras.

No comments: